sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

As grandes secas do Nordeste – séc. XIX e X

 Francisco Miguel de Moura*

As secas do Nordeste são chamadas cíclicas porque se repetem em ciclos de 10 em 10 anos, mais ou menos. Isto já foi observado bastante, sendo que ao ano inicial indicado seguem-se mais ou menos dois anos.

Numa monografia de Jairo Alves Gomes, Acadêmico de História, na UVA - Universidade Federal do Vale do Acaraú, colhi as seguintes informações retiradas do Boletim Vol.15, nº11, da antiga Inspetoria de Obras contra as Secas: “O Nordeste passou por 32 estiagens mais ou menos prolongadas que atingiram total ou parcialmente a Região. Destas 32 estiagens, 11 foram nos anos oitocentos: 1804, 1816, 1824, 1827, 1830, 1833, 1845, 1877, 1888, 1891 e 1898, contabilizando sete secas no período imperial. É notável que no Império (1822-1889), apesar das constantes secas que assolaram o Nordeste, pouco ou nada se fez para atacar o problema nas suas causas e origens, atentando apenas para os seus efeitos conjunturais e transitórios. (...) Nota-se o caráter paternalista do Imperador, lembrando o que disse no encerramento da sessão legislativa de 14-10-1877: VENDEREI ATÉ O ÚLTIMO BRILHANTE DE MINHA COROA ANTES QUE ALGUM CEARENSE MORRA DE FOME.”

Mas, num outro documento do nível do acima citado, registra-se que ele, o Imperador, foi ao Ceará, não vendeu nenhuma jóia da coroa nem acabou com a fome dos nordestinos: Todos continuaram sofrendo seca, fome e morte. Não importa se a citação se refere apenas ao Ceará, o mais castigado da Região.  Nosso Piauí tem uma boa parte inserida no que geograficamente se denomina Polígono das Secas. Portanto sofremos, como todos os outros estados, a seca e seus efeitos maléficos. Por aqui, no rumo das boas terras do Maranhão, desfilaram nos irmãos do Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte principalmente, sofrendo, pedindo esmolas e morrendo às vezes antes de chegarem ao destino. Alguns, ou muitos, resolveram ficar aqui, sofrendo com os piauienses.

Mais à frente, o mesmo Prof. Jairo Alves Gomes aponta que a seca dos finais da década de 1870, ou seja, as dos anos 1877, 1878, 1879, conforme confirmam várias pesquisas em documentos históricos, foram as mais cruéis que os nordestinos enfrentaram e tiveram que lutar, vencer, ir embora ou morrer. A situação ficou tão grave que todos os integrantes do Ministério Liberal enviaram mensagens ao Imperador expondo a situação. Mas, como se viu, as providências do poder público continuaram da mesma forma: paternalistas e transitórias, sem atacar a raiz do problema: causas, conseqüências e formas novas para combatê-las.

Mesmo tendo os governos (imperial e republicano) criado estruturas como Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) e outros semelhantes, as secas continuaram cada vez mais fortes e extensivas a outros e outros recantos. E continuam.

Voltando à seca de 1877, destaco o que minha memória guardou do que me contaram meus pais, já contados pelos seus pais e avós: Na terrível seca dos dois sete (1877), meu bisavô materno, Francisco Fernandes de Sousa, andando pelo campo em busca de uma novilha amojada que teria dado cria, encontra-a morte. Diante do fato, acumulado com as perdas que já vinha sofrendo em seu rebanho, não suportou: morreu repentinamente por infarto do miocárdio. Dias depois os parentes, com o auxílio do seu cachorro encontram o corpo. A viúva, de nome Ana, mas conhecida em toda a redondeza de Jenipapeiro como Mãe Ana, se já estava pobre de bens materiais, mais pobre ficou pela perda do marido. Entretanto, pela tradição, sabe-se que ela continuou repartindo as coisas de sua despensa, farinha e feijão, entre outros bens comestíveis, com os pobres pedintes que desciam do Ceará, até o dia da sua morte.

1915 - Essa seca também foi muito terrível, inclusive no Piauí. Deu motivos a tantos romances brasileiros e a outras obras tanto dos nordestinos quanto de outras partes do Brasil. O romance "O Quize", de Rachel de Queiroz, foi o mais completo relato naturalista como a essa seca foi no Ceará; no Piauí, Fontes Ibiapina, de Picos, foi outro escritor que muito se preocupou com o tema seca. Escreveu e publicou "Sambaíba" e "Vida Gemida em Sambambaia", romances, além de outras histórias folclóricas ou não. E também escreveu sobre a seca de 1932.

1932 - Minha mãe (Josefa Maria de Sousa) havia casado com meu pai (Miguel Borges de Moura),  num ano tão seco, meu Deus!  E eu nasceria em 1933. Eles sofreram os efeitos da famosa seca que deu motivos, como disse, a tantos relatos e estudos.   Foi terrível. Eles sofreram os efeitos da seca como todos os habitantes da região. Por leitura e pesquisas, o escritor José Maria de Aguiar Ramos registra no livro “Fortuna Crítica de Francisco Miguel de Moura”, Ed. Cirandinha, Teresina, 2008: “Conta-se que, em conseqüência da seca de 1932, a família de Miguel Borges de Moura (Miguel Guarani) enfrentou miséria e fome, e o primogênito Chico Miguel (que nasceu no ano seguinte) foi gerado com sangue de massa de macambira e mucunã e da sustança do mingau de farinha de mandioca e de macaxeira”. 

Resumindo: as secas hoje parecem menos calamitosas por causa das formas de comunicação e transporte. Logo que, no sertão, falta chuva, depois água e alimento, os rádios e televisões descrevem e mostram a penúria do pobre sertanejo que não quer deixar sua terra por vida nenhuma. E isto agora se repete com maior frequência. Então os governos não tratam de erradicá-las cientificamente e competentemente. E põem-se transportar água em caminhão para a população sedenta. E é o máximo que fazem, além do planejamento de açudes e barragens, que muito demoram a ser construídos. Estas secas nem sei mais se são cíclicas. O tempo e os homens se encarregam de piorar a natureza, as fontes estão se acabando rapidamente, as árvores, os rios, os riachos, de forma que grande parte do Nordeste, senão ele todo, não demorará a transformar-se num grande deserto.
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*Francisco Miguel de Moura, escritor, membro da Academia Piauiense de Letras, poeta contemporâneo, com 81 anos de idade. Nasceu em Picos (Jenipapeiro), Piauí.Livros publicados: cerca de 35 obras. E-mail: franciscomigueldemoura@gmail.com

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