sábado, 6 de julho de 2013

SURPRESAS, MAIS QUE SURPRESAS

Francisco Miguel 
de Moura*

CRÔNICA

Sem a palavra o mundo humano não teria andado e muitas circunstâncias passariam em branco. Assim, se não tivesse havido uma promessa anterior, repetida aos domingos, ao velho Raimundo (apelidado ora de seu Mundo, ora de seu Mundinho), este incidente passaria em branco. E se aqui vai contado é ao modo de crônica silenciosa, como ficção. 

A promessa do filho a seu Mundo se traduzia nestas palavras:

- Pai, pretendo aumentar a casa, este terraço, porque todo domingo, quando o senhor vier almoçar aqui, terá uma rede para a soneca de depois do almoço. Não é bom?

- É sim, fica agradável, aqui corre um ventinho tão bom, quase sempre – disse o velho Mundinho muito satisfeito. – Aceito o convite do almoço e a rede.

O “costume não faz o monge”, mas em determinadas ocasiões, bem que faz: Seu Mundo deitava-se numa redinha macia, depois de ter almoçado tranquilamente na casa do filho, no conforto da intimidade da família, nos fins de semana, por algumas horas, para a sesta. Seu Mundo não gostava nem um pouco de tevê, salvo uma ou outra novela da Globo.  Ia direto pra rede.

Não vamos falar mais sobre o filho do velho Mundo, muito menos dizer-lhe o nome, porque “o nome é que faz o fuxico”. Ele sempre foi um bom rapaz, sensível, inteligente, carinhoso com os filhos e com os pais, costumando ouvir os conselhos do velho, o que não é comum hoje em dia, aliás, melhor seria dizer que é muito raro.

O outro personagem neste “causo” é uma recém-nascida ainda não batizada, mas já conhecida na vizinhança, por sua graça – a estranha beleza da figura - pois é muito sisuda e calada. Terá um nome bonito quando for batizar-se e registrar-se no cartório, guardado em segredo pelos pais, e por isto todos nós começamos a chamá-la de Nenê. Filha da filha mais velha de seu Mundo. Logo: bisnesta.
 
Naquele domingo, como de costume, seu Mundo e dona Meire, depois de rezarem a missa juntos, seguiram para a casa do filho. Chegando, seu Mundo acariciou os gatos que o procuravam como bebês, depois se levantou e seguiu para a mesa onde era servida a refeição, a chamado da nora. O almoço transcorreu na maior tranqüilidade, em clima de alegria, tudo estava bem. E o tempo ia passando sem que ninguém sentisse. O tempo corre quando a conversa é boa.

Nesse ínterim, visto que os assuntos surgidos eram absorventes, iam acontecendo coisas que nunca haviam passado pela cabeça de seu Mundo. O velho não via nada e não ouvia também. Parece que foi tramado o silencio que se desdobrou até o fim da refeição. Sentara-se sem perceber, de costas para a porta de entrada principal da casa, e se alguém da mesa viu não falou nada, se ouviu ficou em silêncio.
Havendo chegado bastante atrasados para o almoço, Joseilton, Joselina e a filha. Sem perturbarem ninguém, foram-se arranchando caladinhos. Logo estenderam a rede bem no lugar onde costumava seu Mundo deitar-se depois do almoço - uma das amabilidades do filho - e ali deitaram à filhinha, já cansados de carregá-la nos braços. 

Terminada a refeição, antes mesmo da sobremesa, o velho Mundo, cansado ainda dos “fuxicos” do dia anterior, entre papéis, livros, documentos, caixas (velho se cansa rapidamente e demora muito a descansar), levanta-se da cadeira e, virando-se para a porta (costumava dar uma caminhada pelo corredor antes de deitar-se), quase que toma um susto. Sente que perdeu uma das suas regalias já consideradas perpétuas – o pai cuidava da filha, mantinha-a no braço, assim de um lado, e, esparramados, dormiam a sono solto. O velho olhou-os, sem uma palavra, e certificou-se que acabara de ganhar uma formosa bisneta, a família crescendo, uma alegria, mas perdera a rede e o lugar de descanso que o filho “inventara”. Seu Mundo não teve outro jeito: Sentou-se no sofá, em frente à tevê e ficou a ver filmes até ser chamado por d. Meire para voltarem pra casa. 

Bendita surpresa!  Não porque ainda não a conhecesse, já vira a bisneta algumas vezes e batera palminhas pra ela, depois tentara ensinar outras coisinhas. Inusitado, aquele dia! Não haveria outro igual àquele: estar junto de sua bisneta, hoje com o nome de Sônia, mesmo perdendo a rede para ela.  Eis como o que aqui se perde, aqui se ganha. 

Seu Mundico, como era apelidado pelos de casa, não gostava de perder, mas desta vez rendeu-se facilmente à evidência. E teve a oportunidade de, depois de despertada a criança, brincar, brincar com ela um tempão, terminando por fazê-la sorrir, uma coisa que Soninha só concedia ao avô, e poucas vezes. Seu Mundinho saiu balbuciando consigo mesmo, satisfeito porque provou ser um bisavô à altura. Avô duas vezes.
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Francisco Miguel de Moura, poeta, cronista e romancista brasileiro, membro da Academia Piauiense de Letras, mora no Piauí.

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